Embalos de uma quarta-feira à tarde

Ricardo é um sujeito bem pacato. Vida tranqüila, sossegada, sempre foi tratado com muito leitinho e pêra pela sua querida mamãe. Quando criança, costumava ver a Eliana, Xuxa, Angélica o dia inteiro. E ele ficava vidrado, os olhos nem piscavam. Só que o menino cresceu e começou, como um bom garoto contemporâneo que adora televisão, a assistir coisas mais sérias. Um jornal aqui, um seriado acolá. Ricardo se divertia horrores com a televisão e sempre com sua fiel escudeira mamãe.

O tempo passou e Ricardo era diferente dos demais garotos de sua turma. Ele prezava muito mais ficar em casa vendo televisão a sair e paquerar garotas na noite. E por causa desse comportamento, ele era ridicularizado na escola. Mas o que lhe dava força era chegar em casa e ser recepcionado com um copo de leite semi-desnatado e com uma bela pêra, cortadinha e sem casca, tudo feito pela mamãe.

Um dia eu fui convidado pelo Ricardo – sim, eu era piedoso– para passar um “maravilhoso dia de quarta-feira na casa dele”. Sensacional. Cheguei lá e avistei os copos com leite. “Bizarro”, logo pensei. Mas, como visita, não posso reclamar. Tomei o leite e ele me chamou para ver televisão. Rapaz, nunca tinha visto algo tão horripilante na minha vida.

Após sentarmos, Ricardo ligou na Sônia Abrãao (sim, ela existe e sim, ela está na TV ainda). E ele se deleitava com as notícias de famosos como Dado Dolabella (quem?!), Alemão (quem?!?!?!) e Iris Stefanelli (quem?!?!?!?!?!?!?!!?!?!?!?!?!?!?!?!?!). Era impressionante como ele sabia o nome de tantas pessoas que eu nem sequer imaginaria conhecer na minha simples e humilde vida. O programa da Sônia acabou e, quando eu me preparava para ir embora, Ricardo falou que o melhor programa da tarde ainda estava por vir.

Poxa, não existe algo pior que Sônia Abrãao, portanto pensei que nada me causaria mais espanto. Ah, amigo, ledo engano. O que está ruim, pode piorar. Ao me sentar novamente, ele coloca em outro canal. A figura que me aparece? Nelson Rubens. Surtei na hora. Suava frio só de saber que essa pessoa também insistia em estar na TV. E o Ricardo ainda me solta uma dessas “oh, a Iris (quem?!?!?!?!?!?!?!!?!?!?!?!?!?!?!?!?!) está apresentando junto com ele!”. Só faltava essa. Ele falava sério!

Suportei mais algumas horas, não sei como. Mas ao acabar mais um martírio televisivo, Ricardo pede para eu não ir embora ainda, pois quer ver um filme. “Até que enfim!”, pensei. O filme você já deve saber. Sim, esse mesmo. A LAGOA AZUL! Não agüentei mais. Saí daquela casa sabendo que, se existisse inferno, a programação seria basicamente dirigida pelo Ricardo.

Depois desse dia descobri porque ele era tão sozinho e porque eu nunca tinha assistido TV à tarde. Têm experiências que não valem a pena de serem feitas e, se o inferno for assim, prometo nunca mais pecar na minha vida...