quinta-feira, 12 de março de 2009

Rick Ricardo. Sonhar demais, dá nisso...

Pegou suas coisas e bateu a porta com força.
Precisava sair logo dali. O mais rápido que pudesse.
Suas assistentes chamavam-no de volta assustadas. Porque raios estaria saindo de seu consultório de maneira tão abrupta em pleno meio do expediente? As agendas estavam marcadas até os últimos horários naquela terça-feira!
Mas ele continuava. Passos incertos de quem está próximo de perder a cabeça e fazer alguma besteira. Uma grande besteira.
Abre o carro importado num solavanco, arremessa a maleta de 3 mil dólares no banco traseiro, retira o estetoscópio que só enfeita o pescoço e engata a primeira marcha ainda ouvindo os berros de Dona Lurdez, a secretária com Z no final do nome.
Fora Dona Lurdez, a secretária com Z no final do nome, quem havia passado a lista de consultas do dia. Ali seu destino havia sido traçado.
Tomou a via expressa. Não queria chegar a lugar nenhum mesmo. Com a bombinha de asma nas mãos não precisava de mais nada. Ninguém roubaria seu direito de respirar mal.
Rick Ricardo teve uma infância sofrida em Taubaté. Seu pai queria que tocasse os negócios da família. A industria de isopor estava passando por um período difícil, mas ainda tinham grandes contratos em conjunto com as empresas que faziam plásticos bolha e a de papel picado.
Mas Rick queria mais. Queria ajudar as pessoas. E não produzir algo que demorava 150 anos para ser degradado. Cruzes!
Ficou famoso em todo o mundo pelas cirurgias de reconstituição corporal. Pessoas queimadas, com membros amputados, que se cortavam ao apoiar o movimento emo, nada permanecia danificado quando passava pelas mãos de Rick Ricardo.
Mas mesmo a fama e o reconhecimento ainda não satisfaziam Ricardo. Ele queria ser elevado ao patamar de cirurgião mais conceituado do planeta, mais requisitado, mais sexualmente ativo entre seu grupinho de médicos que jogava Uno nas noites de quinta.
Decidiu então se especializar em plásticas estéticas. Peitos de 5 Kg cada? Ele colocava. Bunda de silicone de fazer inveja até na Mulher Melancia? Tava no lombo. Aumento peniano para satisfazer a prática de sexo com animais para caras chamados Gustavo? Opa, porque não?
E assim finalmente passou a se olhar com orgulho todas as manhãs no espelho de sua mansão em Miami. Acordava sempre ao lado de uma musa da Playboy que foi retocar o botóx de trás da orelha ou de uma integrante das Spice Girls que não cabia mais em seu shortinho da Grã-Bretanha.
Era feliz enfim.
Até a fatídica terça-feira.
Olhando sem interesse sua lista de consultas do dia, procurando a assinatura de alguma atriz famosa com quem pudesse copular rapidamente antes do almoço, notou um nome conhecido. Paulo Sérgio Mendonça.
Por Deus! Mas era o Paulão! Seu grande amigo de mocidade! O que será que o Paulada gostaria de tratar com ele?
Seu humor melhorou horrores. Adorava reencontrar antigos colegas de infância de Taubaté para poder se gabar por suas experiências e gastos exorbitantes em festas, bebidas e mulheres que antigamente só viam nas revistas de páginas grudadas que seu irmão deixava no banheiro.
10:15 - o horário do Paulão havia chegado.
Rick ouviu Dona Lurdez, a secretária com Z no final do nome, chamar seu amigo e se preparou para recebê-lo.
A porta se abriu lentamente e o sorriso que estampava o rosto de Rick Ricardo foi embaçando e se esvaindo até sumir dentro de uma careta de horror.
Uma criatura meio homem, meio mulher invadiu a sala antes que pudesse dizer: "MAS QUE MERDA É ESS..."
- Lembra de mim, Ricardinho? Sou o Paulo, lembra? Do time de futebol! Eu dormia direto na sua casa!
Sim, Rick Ricardo lembrava do bom amigo, do cara que sempre ficava ao seu lado quando arrumavam briga com o pessoal da rua de baixo depois da pelada, do amigo que foi contra seu namoro com a Laura porque dizia que ela era uma "vaca puta lambisgóia que não merecia o seu amor", do malandro que roubava Bubbaloos de uva e dividia com ele embaixo dos cobertores da casa pobre, que o abraçava forte e suado o tempo todo mesmo nos dias de intenso calor, lógico que lembrava, mas só não se recordava de ver seu amigo vestido de camisola de seda em pleno dia, com as pernas peludas totalmente a mostra e cheirando a perfume barato da Avon.
- Lembro sim Paulo, mas o que aconteceu contigo homem?
- Credo Ricardinho, não se fala assim com uma lady. Vim te procurar por causa de um assunto muito sério.
Ainda sentindo náuseas e achando que poderia vomitar ou desmaiar ou os dois ao mesmo tempo, Rick Ricardo deu uma boa apertada na bola esquerda para que a dor o mantivesse desperto.
A figura na sua frente o encarava com afeição, seus olhos seguiam os dele como por encanto. Rick se limitava a olhar para a caneta La Modernista Diamonds que rodava em seus dedos, evitando perceber mais o batom mal passado nos lábios do ex-amigo, que o faziam parecer o palhaço Bozo ou os brincos enormes de argola que devia ter comprado na loja de bijus de Taubaté.
- Pois então diga grande amigo. Em que posso te ajudar? - e segurou mais um ataque violento de seu café da manhã com os dentes, fazendo força para engolir tudo de volta.
- O negócio é o seguinte Ricardinho. Eu sempre fui um homem por fora e uma mulher por dentro, o que eu quero é que você corte esse treco de 25 cm e mostre ao mundo o que eu realmente sou! Mas eu quero o serviço completo, heim? Eu sei muito bem o que você faz depois das consultas com suas pacientes e sempre te achei um gato!

...

Pegou suas coisas e bateu a porta com força.
Precisava sair logo dali. O mais rápido que pudesse.
Ia voltar pra Taubaté e tocar o negócio de isopor da família.
Pelo menos o isopor nunca iria querer mudar de sexo e nem atrair lembranças de Bubbaloo de uva, suor, cobertores e noites quentes.

4 comentários:

Carol Reis. disse...

HUAihUIAhUIAHuiHAUIH!

Anônimo disse...

...e o Slash nunca mais voltou ao consultório do Rick Ricardo. Mas ele conseguiu a cirurgia.

Bruno Bello disse...

...e o Slash nunca mais voltou ao consultório do Rick Ricardo. Mas ele conseguiu a cirurgia. [2]

Slash disse...

...legal esse cara, o Slash. Pena que nunca mais o vi depois disso.