terça-feira, 17 de março de 2009

A metade que faltava

Ficou estática, olhando para a parede. Não se conhecia mais.

(10 horas atrás)

Levantou-se da cama, foi escovar os dentes e fazer o ritual diário de cremes e loções. Arrumou o cabelo. Demorou mais um pouco no espelho, como se aquela imagem fosse especial demais para ser deixada para trás.

Andou para o trabalho, que ficava perto de casa. Olhou para o relógio. 08h00. "Em ponto".

Começou o trabalho tedioso de auxiliar administrativa, escrevendo relatórios e puxando sacos. Distraia-se facilmente com qualquer objeto reflexivo a sua volta. Adorava aquilo. Era como sua outra metade, parcialmente obscurecida, se encontrasse e ela voltasse a ser inteira. Não conseguia desviar o olhar uma vez que se perdia nesse pensamento.

"Hora do almoço", sussurou para o colega de trabalho distraidamente. Na hora de comer acontecia a mesma coisa, garfos e facas davam formas grandes e gordas a adorável metade do lado de lá.

Quando estava voltando para o segundo turno, olhou para a esquina que ficava do lado oposto de onde trabalhava. Era mágico. No alto tinham colocado um banner gigante, que dizia, "o melhor e maior espelho do mundo está aqui atrás, só as melhoras lojas de moda deixam você linda assim". Era magnífico, era irreal, era bom demais pra ser verdade... Vinte metros de altura por dez de largura. Subiu pelos degraus até sua sala e se deliciou com a visão direta que sua janela dava para o espelho coberto.

Esperou e esperou, até que, às 18h45, as cortinas desceram na grande inauguração.

Ela não saiu do lugar, não saiu por dez minutos ao se ver refletida, acima da multidão abaixo, pequena, naquela imensidão prateada. Se sentiu completa.

Foi aí que veio um grande clarão.

Só se levantou um pouco mais tarde, mão na cabeça, caída em sua sala. "Que horas são?", perguntou perdida a si mesma. Desnorteada, a primeira coisa que fez foi olhar para o espelho. Olhou e tudo estava lá, na mesma ordem, no mesmo lugar, só que alguma coisa estava errada.

A primeira palavra que viu ao contrário denunciou o que já sentia.

Sua aliança de casada agora estava na mão direita.

"O que?..."

Saiu correndo e ficou na frente do espelho, vendo sua imagem repetir exatamente os mesmos passos. Só que daquele lado as pessoas riam, se cumprimentavam, conversavam. No seu lado não sobrou nada, ninguém. Apenas uma imagem. Apenas uma metade.

Presa, começou a assistir sua vida passando na frente de seus olhos.

6 comentários:

Fernando Vidotto disse...

que horror.

Mococa disse...

Nossa.
Eu não sabia que o blog também servia para textos assim.
Gostei. Tipo, MUITO.
Vai ser a nova moda do verão.

Carol Reis. disse...

Que medo. =S

Bruno Bello disse...

Meu próximo post vai homenagear a pessoa mais querida desse blog.
=D

Bruna Molon Grotti disse...

Marson, você plagiou minha ideia. Sou eu que escrevo sobre pessoas presas no espelho!

Slash disse...

a-ha, bruna, a idéia veio parte daquela-música-semi-pronta-do-falso-cognato e parte por um filme.

fiz plágio, confesso.