Em um lindo dia de quinta-feira, Aderbal levantou-se da cama. Pôs suas pantufas de coelho, presente da ex-namorada, e caminhou tranquilamente até o banheiro e pegou a escova de dentes, a pasta de quatro meses atrás e o fio dental, recém utilizado. Após a higiene pessoal, Aderbal desce as escadas e faz, como todos os dias, um leitinho com sucrilhos Kellogg’s, o cereal campeão.
Então ele se prepara para sair. Bem trajado com seu terno Armani comprado em vinte parcelas fixas, sapatos engraxados e cinto combinando. Pegou as chaves de seu Gordini 1965, herança de seu pai, e preparou-se para sair.
Aderbal tinha um emprego de vendedor de imóveis para pessoas de baixa renda e odiava seu trabalho. Porém, era a única atividade que ele conseguira em cinco anos. A sua atual namorada Gisele não era um primor de beleza, mas era a única coisa decente que ele conseguira nos últimos treze anos.
Abriu a porta de casa eis que toca o telefone.
-Alô?
-Ei, cara! Ainda tá em casa?
- Sim. Mas quem é?
- Não sai daí, não. Aconteceram vários problemas!
- Se for trote, me fala logo!
- Não é! Cara, você acabou de perder o emprego!
Depressivo por natureza, Aderbal ficou em choque. Ele então, ainda tentando absorver o grau da notícia, foi se encaminhando ao carro. Abriu a porta e entrou no veículo. Girou as chaves e ligou o motor.
- Tá aí ainda?
- Não acredito no que você tá me contando...
- Mas é sério. Ele resolveu cortar gastos e você foi escolhido. Ele vai te falar os detalhes hoje ainda.
Ele permanecia descrédulo, mas algumas coisas começaram a se encaixar depois.
- E outra, cara. Vi tua mulher com outro ontem. Ela tava no ponto de ônibus e eu a vi com um negão alto e forte. Parecia até jogador de críquete.
- Mentira! Ela estava no trabalho. Me ligou antes! E que porra é críquete?
- Então, ela pareceu desligar o telefone um pouco antes do homem chegar...
Uma lágrima escorreu no rosto de Aderbal e a hipótese do suicídio passava por sua cabeça.
- E tem mais outra, amigo. Falaram que sua casa vai ser arrendada para criar um campo de futebol.
- Não é possível...
Depois dessa frase, Aderbal começou a pensar. “Sem emprego, sem mulher e sem casa, o que fazer nessa vida?!” Com seu Gordini, ele se encaminhou para o trilho do trem mais movimentado da cidade. Ainda com o celular em mãos, ele desceu do carro e parou em cima do trilho, esperando pela sua morte rápida e/ou instantânea. Na hora que a locomotiva apareceu e Aderbal já esperava pelo seu final trágico, o rapaz da ligação fala:
- Sinto muito dar essas notícias por telefone, Roberto. Mas precisava te contar, já que é meu amigo.
- Pera aí. Roberto!? Sou Aderbal!
-Puts! Desculpa, cara. Então foi engano...
E ele desligou o telefone....
A estrada permanece
Há 7 anos